O varejo está passando por uma transformação profunda impulsionada por uma combinação poderosa: avanços da neurociência e novas demandas de consumidores cada vez mais exigentes. O neuromarketing, que surgiu da aplicação de métodos da neurociência ao marketing, tem se consolidado como uma das ferramentas mais eficazes para entender como realmente tomamos decisões de compra – decisões que, como se descobriu, são em grande parte irracionais, emocionais e subconscientes.
A origem científica do neuromarketing
Desde a década de 1990, grandes corporações globais como Ford, General Motors e Coca-Cola passaram a financiar pesquisas avançadas em neurociência com um objetivo claro: compreender o comportamento humano além da superfície, indo além do que pesquisas tradicionais conseguiam captar. Métodos como fMRI, EEG, Eye Tracking e GSR permitiram observar a atividade cerebral em tempo real durante as decisões de compra. O resultado dessas pesquisas foi uma mudança radical na forma como entendemos o consumidor.
Os três cérebros e o processo de decisão
A neurociência moderna consolidou o entendimento de que o cérebro humano pode ser analisado em três camadas funcionais (modelo triádico):
• Cérebro Racional (Neocórtex): analisa, compara, avalia dados lógicos.
• Cérebro Emocional (Sistema Límbico): responsável pelos sentimentos, memórias e motivação.
• Cérebro Primitivo (Reptiliano): automático, instintivo, orientado à sobrevivência e o principal responsável pelas decisões de compra.
Estudos demonstram que até 85% das decisões de compra são impulsivas, realizadas de forma automática, guiadas por atalhos mentais e estímulos emocionais – não por análises racionais.
Martin Lindstrom e o poder das decisões subconscientes
Entre os maiores nomes do neuromarketing, Martin Lindstrom destaca-se por demonstrar, com base em pesquisas de mapeamento cerebral, que o consumidor frequentemente não diz o que realmente pensa e muitas vezes não sabe conscientemente por que compra. Seu trabalho mostra que:
• A maioria das escolhas ocorre em menos de 12 segundos.
• Elementos sensoriais – cores, aromas, sons, texturas – influenciam mais do que preço ou benefícios declarados.
• A experiência no ponto de venda molda percepções e comportamentos de forma profunda.
O poder dos sentidos no PDV
O varejo descobriu que ativar múltiplos sentidos gera maior engajamento e decisões de compra mais rápidas. Exemplos clássicos incluem:
• Aromas específicos usados para criar atmosfera (pão quente, café, madeira, baunilha).
• Trilhas sonoras que alteram tempo de permanência e percepção de valor.
• Iluminação direcionada para destacar produtos premium.
• Cores estrategicamente aplicadas para influenciar o comportamento (vermelho acelera decisões; azul transmite confiança).
Esses elementos conversam diretamente com o cérebro emocional e primitivo, ampliando a probabilidade de compra.
O poder das rupturas e da prova social inconsciente
Um exemplo interessante é a percepção de ruptura na gôndola. Quando um consumidor se depara com:
• Gôndola repleta, organizada
• Gôndola com espaços vazios
Grande parte das pessoas escolhe produtos do segundo cenário. De forma subconsciente, o cérebro interpreta a ruptura como sinal de alta demanda, reforçando a ideia: “Se está acabando, é porque é bom.” Esse tipo de atalho mental é chamado de prova social implícita, uma das ferramentas mais exploradas no neuromarketing.
Neuromarketing como estratégia de experiência
O papel do neuromarketing no varejo moderno é integrar ciência e emoção para criar experiências memoráveis. As marcas que dominam essa abordagem:
• Entendem como o consumidor sente antes de pensar.
• Projetam ambientes que “guiam” naturalmente o olhar, o toque e a decisão.
• Criam narrativas emocionais que conectam marca e pessoa.
• Planejam o percurso de compra com estímulos que reduzem fricção e maximizam prazer.
O futuro do varejo
O futuro do setor varejista está na capacidade de usar o neuromarketing de forma ética e estratégica, combinando:
• Inteligência emocional da marca
• Experiência sensorial
• Design centrado no cérebro
• Dados comportamentais
• Integração físico-digital (phygital)
Com isso, o varejo deixará de ser apenas um espaço de compra e passará a ser um ambiente de imersão emocional, onde a marca cria valor, conquista lealdade e constrói relacionamento.
Vítor Alberto Cunha
Consultor empresarial, economista, administrador, mestre em gestão e diretor de capacitação da Acomac POA
